No dia 28 de junho de 1969, em Nova York, Estados Unidos, no Bar The Stonewall Inn, a polícia fazia mais uma ação truculenta. Pessoas LGBT eram constantemente alvo de extorsão e espancamento por parte de policiais. Naquele dia, um grupo de lésbicas, travestis e gays reagiu e se recusou a sair do local. O protesto prolongou-se por mais alguns dias e a data tornou-se um marco simbólico das lutas por direitos. A partir de então, as comunidades LGBT por todo o mudo passaram a se organizar como um movimento, para reivindicar direitos e pelo orgulho de existir.
Mesmo assinando tratados e acordos internacionais como os da Organização das Nações Unidas, o Brasil ainda não dispõe de um arcabouço de ações e instrumentos de prevenção, para conter os índices alarmantes da LGBTfobia no país. Por algumas décadas, com apoio de outros grupos, o Grupo Gay da Bahia (GGB) tornou-se uma das primeiras Organizações Não-Governamentais a denunciar, incansavelmente, os crimes LGBTfóbicos, sendo muitas vezes, uma das poucas referências, em virtude da ausência de políticas públicas, voltadas às populações LGBT em contextos de vulnerabilidade social.
No âmbito federal, o Projeto Brasil Sem Homofobia, de 2004, esteve entre os principais indicadores, marcando uma ação protagonizada pelo Ministério da Saúde, que muito atuou no enfrentamento da AIDS nas décadas de 1980/90. Foi lançado com o objetivo de desenvolver ações que pudessem prevenir violências contra as consideradas “minorias sexuais”, auxiliando na compreensão do fenômeno. Além de quase duas décadas com as Paradas do Orgulho LGBT, desde o final dos anos 90, mérito dos movimentos sociais, a partir de 2008, o país realizou as maiores Conferências Nacionais LGBT, quando comparada às outras partes do mundo, com participação da sociedade civil e do poder público.
Uma das mais valiosas forças na defesa de direitos foi a criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), constituído em 2001, e reorganizado em 2010.
Grande parcela da população LGBT ainda luta por respeito e dignidade. No entanto, parte da sociedade e do movimento social organizado têm tensionado tanto o legislativo quanto o judiciário, para que as garantias de direitos sejam uma realidade. Dentre as conquistas alcançadas por pessoas LGBT, temos: a inclusão de companheiros e companheiras em planos de saúde (Agência Nacional de Saúde Suplementar, Diário Oficial da União, 4 de maio de 2010); o casamento civil, após a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); direitos como a adoção de crianças por casais de homoafetivos, sem restrição de idade (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 846.102, STF, 05 de março de 2015). Em dezembro de 2011, a portaria n° 2.836 do Ministério da Saúde instituiu no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT). Em 2013, Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, lançou uma campanha de combate à violência contra travestis e transexuais. O Ministério também anunciou que pessoas podiam usar o nome social no Cartão SUS, com o objetivo de reconhecer a legitimidade da identidade desses grupos e promover o maior acesso à rede pública.
No Brasil, a partir de 2008, a sigla LGBT passou a ser utilizada para identificar a ação política e conjunta de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais. No dia 08 de junho daquele ano, durante a I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, ocorrida em Brasília-DF, as delegadas e os delegados nacionais decidiram pelo uso dessa terminologia, referindo-se à esfera política e à construção de políticas públicas, bem como nas diversas vertentes dos movimentos sociais organizados, relativas às garantias de direitos, visando o enfrentamento à discriminação, assegurando o exercício da cidadania dessas pessoas. Na atualidade há inclusão de variações da sigla LGBT, para designar outros movimentos e identidades em construção (Intersexos, Queer, Assexuais ou mesmo um sinal de +), porém ainda não são um consenso.
A letra T da sigla LGBT é usada para representar travestis e transexuais. Ao contrário das outras letras (LGB) que representam orientações sexuais diferentes, a representação T envolve um grupo que milita em razão de sua identidade de gênero. A identidade de gênero diz respeito a como a pessoa se identifica, seja do gênero feminino ou masculino, independente de com quem esta pessoa se relacione. O acolhimento deve ser de acordo com a identidade de gênero da pessoa, ou seja: AS mulheres transexuais, AS travestis e OS homens trans.
A orientação sexual de uma pessoa indica por quais gêneros ela sente-se atraída – seja física, romântica e/ou emocionalmente. A expressão orientação sexual entra em substituição ao termo opção sexual, já que o interesse do indivíduo não é uma escolha feita deliberadamente e que não pode ser mudada, muito menos influenciada por fatores externos. Pessoas travestis e transexuais podem ser heterossexuais, bissexuais ou homossexuais, o que independe de sua identidade de gênero, que também não é uma escolha.
Em 1973, a American Psychology Association, nos Estados Unidos, retirou “homossexualismo” da lista dos distúrbios mentais, passando a usar o termo HOMOSSEXUALIDADE. O sufixo “ismo” era a terminologia referente a muitas doenças; “dade” remete ao modo de ser. E no dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças (CID). No Brasil, em 1999, o Conselho Federal de Psicologia formulou a Resolução 001/99, considerando que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão […]”. Desde então, ativistas da comunidade LGBT adotam o uso dos termos como homossexualidade e bissexualidade, para excluir o estigma pejorativo das palavras.
A diversidade sexual ou de gênero ainda gera inúmeras dúvidas, pois envolvem questões afetivas, papéis sociais esperados/desejáveis e desempenhados na sociedade. Cabe a toda a sociedade e, principalmente, aos legisladores/as e mandatários/as, a cobrança para a garantia efetiva dos direitos da população LGBT.
DIREITOS DAS PESSOAS TRANS
Em setembro de 2016, a Defensoria Pública da União solicitou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que concedesse a Pessoas Trans sem cirurgia o direito de retificar o registro de nascimento. Em outubro de 2016, pela primeira vez, uma Mulher Trans mudou o gênero sem avaliação médica, em São Bernardo do Campo-SP, e sem a necessidade de profissional de saúde ou atestado para se dizer mulher.
LEI MARIA DA PENHA E MULHERES “T”
A Comissão de Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) publicou, no dia 11 de agosto de 2014, Nota Técnica que dá parecer indicativo da aplicabilidade da Lei nº 11.340/2006 às situações de violência doméstica e familiar, sofridas por transexuais femininas e travestis. Ainda em 2006, o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais (CNPG) aprovou recomendação, para que promotorias de todo o Brasil passassem a aplicar a Lei nº 11.340/2006 às vítimas travestis e transexuais em caso de violência doméstica. Ao completar 10 anos em 2016, a Lei nº 11.340/2006 ficou mais inclusiva. O CNPG aprovou, por unanimidade, uma recomendação para que promotorias de todo o país passem a aplicar as regras da Lei Maria da Penha a travestis e transexuais, vítimas de violência doméstica.
NOME SOCIAL PARA PESSOAS TRANS E AVANÇOS
Em alguns estados brasileiros, Decretos/ Portarias determinam a inclusão do Nome Social de travestis e transexuais (masculinos e femininos) e Transgêneros em fichas de cadastro, formulários, instrumentais, prontuários e documentos congêneres. O Decreto do Nome Social (Nº 8.727, de 28 de abril de 2016 – Diário Oficial da União – Imprensa Nacional) dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. O Direito vale para Servidoras e Servidores que trabalham no órgão, assim como para as pessoas atendidas por esses serviços.
RECONHECIMENTO JURÍDICO DA IDENTIDADE DE GÊNERO
A partir de março de 2018, de acordo com o provimento 73/ 2018, todo e qualquer cidadão ou cidadã tem o direito de alteração do nome e sexo no registro civil, sem que se submetam a cirurgias ou tratamentos invasivos. Deste modo, mesmo sem ação judicial, toda pessoa trans ou travesti tem o direito de fazer a modificação diretamente no cartório.
CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA
A criminalização da LGBTfobia é uma das pautas prioritárias no debate sobre direitos LGBT. O Brasil é o país que mais mata pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais. Ao tipificar a prática, indução ou incitação à discriminação ou preconceito como crime, pretende-se incidir ainda na construção de uma cultura de valorização dos direitos humanos, de respeito e propagação destes direitos, e de enfrentamento ao ódio, ao preconceito e a discriminações. Trata-se, assim, de uma legislação penal, mas que não se limita apenas à definição e punição dos crimes, mas à difusão de uma perspectiva de prevenção e inibição pela via educativa.
Em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 e do Mandado de Injunção 4733, ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a omissão legislativa e de deram interpretação, conforme a Constituição Federal, para enquadrar atos de homofobia e transfobia nos tipos penais previstos na legislação, equiparando aos crimes de racismo (Lei 7.716/1989), até que o Congresso Nacional aprove lei específica sobre a matéria.
DOAÇÃO DE SANGUE POR PESSOAS LGBT
A falsa ideia de promiscuidade das comunidades LGBT advém de uma época na qual o estigma foi imposto unicamente a essas pessoas. A classificação em “grupo de risco” significava uma defesa contra contaminações em um sistema ainda precário de identificação de doenças. Porém, a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis decorre da atividade sexual, e não da orientação homossexual, e o sistema de triagem atualmente é extremamente funcional e eficaz.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB), com a autoria da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 5543, defendeu que a política de exclusão ofende a dignidade humana e gera discriminação. E por maioria de votos, em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal decidiu no dia 08 de maio de 2020, derrubar restrições à doação de sangue por pessoas LGBT.
OCUPAÇÃO DE ESPAÇOS POLÍTICOS
A participação de pessoas LGBT na política ainda é mínima, quando comparada com os demais grupos reivindicatórios. Com uma comunidade de cerca de 10% da população brasileira, entende-se que a representação deve ser maior, possibilitando assim o debate de pautas específicas da comunidade LGBT. Mesmo com um aumento crescente, é importante que pessoas não LGBT façam a defesa da causa por conta da dificuldade de acesso aos poderes de modificação da sociedade.
AS FAKE NEWS CONTRA A POPULAÇÃO LGBT
Um dos assuntos mais polêmicos para quem não tem conhecimento sobre a causa LGBT é a chamada “ideologia de gênero”, que foi criada com a ideia errônea e absurda de que ativistas de direitos humanos, educadores, educadoras intencionavam, propositalmente, sexualizar as crianças, levando-as a transformar seu gênero de forma impositiva. A propagação na mídia dessa expressão tem sido utilizada como tática de poder, com o objetivo de colocar a comunidade LGBT como criminosa, numa tentativa de desmoralizar sua luta.
POPULAÇÃO LGBT NEGRA
Nas políticas de igualdade racial, devemos promover um olhar voltado às especificidades da população LGBT, incentivando a discussão da pauta junto a Conselhos, Comissões, Grupos de Trabalho etc., visando promover a inclusão social e diminuir a violência contra a população LGBT negra.
DIREITOS SOCIAIS
O Estado brasileiro tem o dever de garantir a todas e todos os direitos sociais. No entanto, não é o acontece com a maioria da população LGBT no Brasil. Para tanto, tendo como base a isonomia, a jurisprudência e a equidade, deve promover direitos igualitários, para minimizar o alto de grau de vulnerabilidade e marginalização a diferentes contextos que a população LGBT é submetida.
DIREITO À EDUCAÇÃO
Os temas “gênero” e “sexualidade” precisam ser inseridos no currículo escolar de forma efetiva, do ensino fundamental ao superior e que também sejam produzidos materiais didáticos, para que educadoras e educadores possam promover debates em sala de aula de modo apropriado e produtivo.
A população LGBT ainda sofre diversas violências quando adentra a educação formal, do ensino fundamental ao superior, por isso é dever do Estado promover políticas de permanência e/ou inclusão de pessoas LGBT, como formas de diminuir a evasão/expulsão escolar.
SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO LGBT
O atendimento à população LGBT em Unidades de Básicas de Saúde ainda é uma realidade precária, pois não há a equidade e o respeito às especificidades dessas pessoas.
Nos últimos anos, a negligência do Estado em promover a prevenção e combate de HIV/AIDS, IST e Hepatites virais têm sido uma constante, devendo ser observados os boletins epidemiológicos divulgados pelo Ministério da Saúde.
Os Ambulatórios Especializados para Travestis, Transexuais e Transgêneros devem ser instituídos no âmbito das Secretarias de Saúde, com os atendimentos em Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social e Endocrinologia, e ainda realizar o processo transexualizador, por meio do Sistema Único de Saúde.
Outro desafio de saúde é o suicídio de pessoas LGBT, que têm uma alta taxa de ocorrências, quando não são respeitadas na sua condição e na medida em que a morte social pela falta de acesso à educação, trabalho e renda, leva à morte física.
DIREITO À MORADIA
Uma das maiores dificuldades vivenciadas hoje pela comunidade LGBT é o acesso ao direito à moradia, diante da triste realidade de que muitas pessoas LGBT são retiradas de suas famílias de forma brutal. Diante disso, é necessária a incorporação da união homoafetiva, enquanto unidade familiar nos programas habitacionais, para que essas pessoas tenham esse direito resguardado.
TRABALHO E RENDA
A população LGBT sofre diversas violências no ambiente de trabalho, por isso é preciso promover e divulgar as políticas públicas e as leis de proteção, bem como construir programas de inclusão para o mercado de trabalho e empreendedorismo.
SISTEMA DE SEGURANÇA E JUSTIÇA
A população LGBT sofre diversas violências todos os dias e existem especificidades para o atendimento dessas pessoas, portanto, a criação de DELEGACIAS ESPECIAIS, no âmbito das Secretarias de Segurança Pública é fundamental para REPRESSÃO AOS CRIMES POR ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO.
No sistema prisional deve ser observada a construção de alas específicas para população LGBT, dentro dos presídios femininos ou masculinos, de forma que assegurem a liberdade de escolha para qual unidade carcerária a pessoa LGBT sinta-se melhor acolhida, com profissionais do sistema penitenciário capacitados sobre orientação sexual e identidade de gênero e suas especificidades, respeitando a segurança, privacidade, auto identificação de cada pessoa, com o olhar voltado para as várias identidades e expressões de gênero.