Por Tathiane Aquino de Araújo,
Secretária Nacional do Segmento LGBT Socialista/ PSB
Apontar o real início da luta de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) é praticamente impossível, pois a homossexualidade, a bissexualidade, a travestilidade e a transexualidade são tão antigas quanto a própria humanidade. Temos que buscar na história da sexualidade humana em sua absoluta e incontornável diversidade suas raízes, e provavelmente, assim, também contar uma história de preconceito e estigmatização. Mas olhar para o horizonte é o melhor meio para se dimensionar a necessidade, a contundência e o profundo significado de lutas que ainda se fazem necessárias e urgentes para a população LGBT em todo o mundo. Nesse contexto é inegável a força e visibilidade que veio da América do Norte, no fim da década de 60.
Até 1962, havia uma atmosfera muito conservadora. Relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime em todos os estados dos Estados Unidos. A punição variava entre longa pena em regime fechado, trabalhos forçados ou mesmo pena de morte. Na cidade de Nova York no ano de 1969, o bar Stonewall Inn, no East Village, era ponto de encontro de pessoas marginalizadas da sociedade. Aquele local se tornou um marco simbólico pela luta pelos direitos LGBT. Foi na madrugada do dia 28 de junho de 1969, que aconteceram, segundo relatos, as rebeliões que foram reconhecidas como os acontecimentos recentes mais importantes para a luta pelos direitos LGBT nos EUA e no mundo.
As batidas policiais no Stonewall Inn eram constantes, frequentemente prendendo funcionários, clientes sem identificação ou simplesmente “homens vestidos como mulheres”. A legislação nova-iorquina ainda previa prisão para homens travestidos (uma repressão mais atenuada para as expressões de travestilidade ou transexualidade, na época). A punição variava entre longa pena em regime fechado, trabalhos forçados ou mesmo pena de morte.
Após anos de perseguição, naquela madrugada, a multidão foi tomada pelo sentimento coletivo de que não deviam mais aguentar tal abuso. De acordo com relatos, moedas e garrafas começaram a ser atiradas contra as viaturas, como gestos que exigiam a liberdade em uma revolta popular instantânea e espontânea. Pessoas ainda estavam detidas dentro do Stonewall Inn, quando pedras, tijolos e lixo em chamas começaram a ser atirados contra as janelas e a porta do bar. A multidão invadiu o local, a polícia ameaçou atirar, mas rapidamente o incêndio começou. Toda aquela confusão durou cerca de 45 minutos, até que novas viaturas chegassem junto com o corpo de bombeiros para conter a confusão.
Enquanto pessoas eram presas, a multidão resistia com danças e cantos. Era a primeira vez que um numeroso grupo de homossexuais, bissexuais e pessoas trans se amotinava e, mesmo com as prisões, conseguia superar ação policial. Ao fim da madrugada as ruas estavam vazias, o bar estava destruído, porém o sentimento de revolta repercutiu por todo o dia. Na noite seguinte uma multidão ainda maior se reuniu com uma diferença de postura, estava declarado o local secreto e escondido em que podiam demonstrar seus afetos, entre manifestações de pessoas trans identificados como afeminados ou masculinizados e de casais gays e de lésbicas aos beijos pelas ruas de Manhattan. O Stonewall Inn abriu suas portas na noite seguinte, e uma imensa multidão, se espalhou por diversos quarteirões ao redor. A polícia chegou em massa, a confusão se instaurou e a luta nas ruas novamente atravessou a madrugada, cerca de cinco dias, novos focos de revolta aconteceram na região, até que o caos foi finalmente contido. Foi a primeira vez que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais se uniam e resistiam com toda força contra as leis e a violência LGBTfóbica do estado americano.
Em poucos meses, praticamente todas as cidades estadunidenses passaram a ter fortes organizações pelos direitos homossexuais e, no aniversário de um ano da Revolta de Stonewall, no exato dia 28 de junho de 1970, as primeiras marchas do orgulho de pela livre orientação sexual e identidade de gênero aconteceram nos EUA, iniciando a história das paradas do orgulho no mundo.
Nesse período, surgiram grupos como a Gay Liberation Front (GLF), a Gay Activists Alliance (GAA), a Lambda Legal (primeira organização jurídica a se formar em defesa dos direitos homossexuais) e um coletivo chamado Street Transvestite Action Revolutionaries (STAR), criado por Sylvia Rivera e Marsha P. Johnson, duas representantes trans da cidade de Nova York. O objetivo principal dessas associações era fortalecer a comunidade e aprovar a Gay Rights Bill, uma petição de projeto de lei feita pelo grupo de pessoas trans ao qual Sylvia e Marsha pertenciam.
Aquele movimento em torno da petição começou em 1970, mas a lei contra a discriminação de pessoas LGBTQ+, em Nova York, só seria aprovada em 1986, três anos após tal aprovação. Sylvia Rivera se declarou ressentida com a comunidade. Para ela, as pessoas trans desenvolveram o projeto e trabalharam muito, para que ele fosse aprovado, mas não receberam o devido reconhecimento por isso. Nesse sentido, é importante reconhecer, desde aquela época, a incompreensão e repressão a construção histórica da luta de pessoas travestis e transexuais.
Na sequência das rebeliões de Stonewall, observou-se um cenário de adesões progressistas e perseguições conservadoras. Em 1973 o estado de Maryland aprovou uma lei que proíbe e bane oficialmente a união civil de pessoas do mesmo sexo no estado. No mesmo ano, contudo, a American Psychiatric Association retira a homossexualidade da lista de “doenças mentais” do seu “Manual de Estatísticas e Diagnósticos de Doenças Mentais” – DSM-II. Um ano depois, Kathy Kozachenko, lésbica, é a primeira pessoa homossexual assumida eleita a um cargo público no estado do Michigan.
Em 1975, é apresentado ao Congresso estadunidense o primeiro projeto de lei federal de uma Gay Rights Bill, que trataria discriminação com base na orientação sexual. O projeto chega até a Comissão de Constituição e Justiça, mas nunca foi votado. Três anos depois, com a eleição de Harvey Milk para a Câmara de Supervisores, em São Francisco, e todo o trabalho realizado por ele acerca dos direitos LGBTQ+, a comunidade começa a crescer em número e importância social. É também nesse ano que Gilbert Baker cria o desenho da Bandeira do Arco-Íris e a transforma no símbolo universal da comunidade.
Durante o governo de Ronald Reagan, na década de 1980 e o início dos anos 90, foram especialmente difíceis para a população LGBT. Com a epidemia de AIDS se espalhando em números alarmantes e pouca ou nenhuma ação do governo estadunidense para subsidiar pesquisas e tratamentos. A comunidade começou a se unir para lutar contra o lobby da indústria farmacêutica, que não apresentava nenhuma solução viável de tratamento além do AZT e seus inúmeros efeitos colaterais, e ainda lutava para impedir que medicamentos produzidos em outros países chegassem aos pacientes contaminados. A situação foi representada no filme “Clube de Compras Dallas” (Jean-Marc Vallée, 2013), em que Matthew MacConaughey interpreta um eletricista heterossexual que contrai o HIV e passa a contrabandear os remédios usados em outros países, até então proibidos pela agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos.
Em 1993, o então presidente Bill Clinton assina uma lei militar que proibia indivíduos abertamente homossexuais de servirem às forças armadas, mas ao mesmo tempo também proibia a discriminação de gays “no armário”. Era o nascimento da “Don’t ask, don’t tell” (“Não pergunte, não responda”), que seria repelida pelo Congresso apenas em 2011.
Em 1996, Clinton assina uma lei chamada Defense of Marriage Act, que proíbe o reconhecimento legal de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, por qualquer órgão federal, além de definir o matrimônio como uma “união legal entre um homem e uma mulher, como marido e esposa”.
Foi apenas em 2000 que o estado de Vermont voltaria a legislar sobre esse tema e legalizaria oficialmente a união civil de pessoas do mesmo sexo no estado, sendo o primeiro da federação dos Estados Unidos a fazê-lo. O direito seria ampliado em nível nacional somente em 2015, a partir de uma decisão da Suprema Corte, durante o governo de Barack Obama.
Esses relatos de avanços e retrocessos nos mostram que a história do movimento LGBT foi construída a partir de muita luta, e que pessoas trans, negras, latinas, lésbicas sempre estiverem à frente das batalhas de conquistas, mesmo que parte da mídia tenha higienizado essas histórias para um certo padrão social aceito. Durante anos foi uma violência histórica reduzir o 28 de junho a um orgulho GAY, numa tentativa de apagar personagens importantes que não obedecem à norma de uma sociedade machista, branca e eurocêntrica, mesmo quando essa história é sobre uma população marginalizada e oprimida.
Viva a nossa luta, viva as travestis, as bichas, as sapatões, as afeminadas e todas aquelas que têm a coragem de lutar por sua vida e por tantas outras vidas!
Liberdade para a população LGBT+”!