Por Flavio Brebis
(Educador, Jornalista e Fundador do Segmento LGBT Socialista no Distrito Federal)
Quando chegamos em Recife-PE naquele outubro de 2011 para um Seminário que reunia lideranças Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais (LGBT) de várias partes do Brasil, trazíamos nossas vivências, militâncias e ativismos dos nossos estados, com certa dose de esperança de constituir, nas bases do Partido Socialista Brasileiro (PSB) um Segmento, pautado na liberdade de ser e existir, para reivindicar nossos lugares de direito na política e em todos os setores da sociedade. Tínhamos visões e formações diversas, mas o mesmo propósito, e como inspiração a frase de Rosa de Luxemburgo: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.
Nos dias 7, 8 e 9, com a participação do presidente do PSB Nacional Carlos Siqueira e demais representações locais, o seminário trouxe temas relevantes, principalmente, destacando a formação política daquelas e daqueles militantes, que em sua maioria já tinham coordenações nas suas cidades, havendo a necessidade de uma organização nacional, enquanto coletivo reconhecido e legitimado na estrutura interna do PSB. Foi proposto, então, como produto daquele evento a Carta de Recife, um registro material do surgimento do segmento representativo de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais do PSB. Foram elaboradas coletivamente seis demandas para a organização de um segmento orgânico, que versavam desde a valorização da diferença como elemento que nos iguala na perspectiva de direitos, a integração com os demais segmentos sociais organizados do PSB, a mobilização e articulação pela igualdade de direitos como promotoras do fortalecimento de pessoas LGBT nos espaços políticos de disputa de poder, até a defesa do Projeto de Lei Complementar 122/2006 (Arquivado em 2015), que à época ainda era um marco na consolidação dos direitos das pessoas LGBT, com relação a punibilidade dos crimes LGBTfóbicos. Naquele documento inaugural, a defesa do socialismo e liberdade bem como a exigência de condições de igualdade de direitos, descritas no manifesto, código de ética e programa do PSB, como reforço aos seus princípios e valores, transparência, pleno exercício da liberdade, com vistas a uma sociedade justa e igualitária eram condições inegociáveis para a materialização e a sustentabilidade do Segmento. E com o lema “SOCIALISMO E LIBERDADE, VIVA A DIVERSIDADE!” encerramos aquela “certidão de nascimento” do Segmento LGBT Socialista do PSB.
Após deixarmos a capital de Pernambuco e da publicização da Carta de Recife, tínhamos como missão levar aos estados e municípios aquelas diretrizes. Assim, vimos as movimentações, de norte a sul e no país inteiro, de grupos de militantes entorno do fortalecimento do Segmento LGBT Socialista, na busca por ativistas e pessoas interessadas para filiação e posterior participação nos congressos partidários.
Como remanescente daquele grupo, que ainda se encontra nas fileiras de lutas do PSB e do Segmento, asseguro que nunca foi fácil e tínhamos como única certeza que não seria simples romper com representações sociais que desconsidera o debate qualificado sobre orientação sexual e identidade de gênero. Tivemos que nos desdobrar em nossos diretórios municipais, estaduais e no Distrito Federal para conseguir reconhecimento, acima de tudo, fazer com que nos concedessem as mesmas oportunidades, diante de quadros e grupos com visões heterocisnormativas, que por séculos representam socialmente estruturas machistas, racistas, misóginas e LGBTfóbicas.
Ao longo de 10 anos, estivemos em diversas frente de luta, principalmente na busca por equidade, por garantia de direitos e assistimos a alguns avanços, mas que não foram dados e sim conquistados, à custa de muitas mortes físicas e sociais, tais como: o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da omissão legislativa para enquadrar atos de homofobia e transfobia nos tipos penais previstos na legislação, equiparando aos crimes de racismo (Lei 7.716/1989), em 13 de junho de 2019; a partir de março de 2018, com o Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), toda pessoa trans ou travesti obteve o direito de fazer a alteração diretamente nos cartórios de registro civil, sem a necessidade de cirurgias, tratamentos ou ação judicial; em 8 de maio de 2020, o STF decidiu derrubar restrições à doação de sangue por pessoas LGBT, em ação histórica encabeçada pelo PSB; dentre outras.
Entretanto, foi 2018 que o PSB tem uma mulher trans eleita para ser a Secretária Nacional do Segmento LGBT Socialista, a militante e ativista Tathiane Araújo, que passou a integrar a Executiva Nacional. É preciso destacar que Secretária eleita, com sua seriedade e empenho propositivo alcançou o reconhecimento das lutas do Segmento pela direção partidária nacional, pelos outros segmentos e por toda a militância, dentro e fora das fileiras partidárias.
Voltar a 10 anos atrás passa um filme nas nossas mentes, das nossas batalhas, dos nossos embates com o conservadorismo e, sobretudo, provoca-nos a sensação do dever cumprido, mas nunca sem luta, sem momentos de alegria e tristeza, sem o misto de euforia e decepção que, muitas vezes, tomou nossos corpos e corações. Contudo, somos constituídas por espíritos libertários, que buscam a justiça e a igualdade de oportunidades.
POR UM MUNDO QUE CONTEMPLE TODAS CORES E DIVERSIDADES E VIDA LONGA AO SEGMENTO LGBT SOCIALISTA!